quinta-feira, 24 de maio de 2012

Quantos sexos há afinal?



Hermafroditismo divide especialistas



«Hermafrodita Adormecido», escultura romana do século II
«Hermafrodita Adormecido», escultura romana do século II
A ambiguidade da condição sexual da atleta sul-africana Caster Semenya veio relançar a discussão sobre a existência de intersexos ou, por outro lado, de cinco sexos. O consenso entre sexólogos não existe, e mesmo os especialistas portugueses divergem entre si.
Um, dois, ... cinco sexos

"Existem várias teorias mas a mais marcante e a que mais se aproxima da realidade prática e clínica é a que contrapõe aos dois sexos clássicos (masculino e feminino ) à existência de mais três, o pseudo-hermafroditismo masculino, o pseudo-hermafroditismo feminino e o hermafroditismo verdadeiro, num total de cinco sexos",
 declarou Nuno Monteiro Pereira, urologista e director da Clínica do Homem e da Mulher, em Lisboa.

Os pseudo-hermafroditas masculinos têm testículos, mas o aspecto do corpo pode não ser masculino. Os pseudo-hermafroditas femininos têm ovários, embora fisicamente possam não parecer femininos. Por último, os hermafrodistas verdadeiros possuem, em simultâneo, ovários e testículos.

A classificação dos cinco sexos baseia-se na presença ou ausência de testículos, ainda que a gónada primordial seja sempre a feminina. "Se houver cromossomas Y, ela transforma-se em testículo, se não houver, será sempre ovário", esclareceu o urologista.

Este acrescentou ainda que na evolução das espécies, o sexo feminino foi o primeiro a aparecer e que o masculino surgiu meio milhão de anos depois. “Ainda hojetemos espécies onde só existem seres femininos mas não temos qualquer espécie apenas com seres masculinos", exemplificou.

Embora os orgãos sexuais externos <br> de Caster Semenya sejam femininos, <br>os internos são masculinos
Embora os orgãos sexuais externos
de Caster Semenya sejam femininos,
os internos são masculinos
Relativamente à atleta sul-africana que participou nos mundiais de atletismo de Berlim, o especialista acredita que se trata de uma situação de pseudo-hermafroditismo masculino, possivelmente devido a uma deficiência enzimática. Explicou que no caso de Caster Semenya, que tem um corpo ambíguo, a ausência de um pénis pode ter sido o factor decisivo para a classificarem como uma “menina”. A presença escondida de testículos interiores poderá justificar a elevada produção de testosterona, factor que lhe permite ter elevadas performances atléticas.

"Hermafroditas verdadeiros são muito raros"
 Nuno Monteiro Pereira diz  <br> que «os hermafroditas verdadeiros <br> são muito raros»
Nuno Monteiro Pereira diz
que «os hermafroditas verdadeiros
são muito raros»
Segundo o também coordenador do mestrado de Sexologia na Universidade Lusófona,"os hermafroditas verdadeiros são muito raros e têm, quase sempre, um aspecto masculino, embora se lhes desenvolvam as glândulas mamárias na adolescência", altura em que normalmente descobrem a sua condição.

O sexólogo diz só ter conhecimento de um caso de hermafroditismo verdadeiro em Portugal, embora reconheça a possibilidade de ter existido outro no princípio do século XX, mas que carece de confirmação.

Ao invés de ambiguidade sexual, Nuno Monteiro Pereira considera que é mais correcto utilizar o termo intersexo, que se refere à coexistência, no mesmo indivíduo, de elementos anatómicos característicos dos sexos masculino e feminino.

Há muitas situações em que a ambiguidade não se verifica, como no pseudo-hermafroditismo masculino por insensibilidade androgénica , conhecido por síndrome dos testículos feminizantes. Nesta situação “não há receptores para a [hormona] dihidrotestosterona, pelo que existe uma mulher com um corpo muito feminino mas com testículos e cromossomas masculinos", explicou.

"Contexto social influencia perturbações do desenvolvimento sexual"

Allen Gomes rejeita  a teoria <br>dos cinco sexos
Allen Gomes rejeita a teoria
dos cinco sexos
Outro especialista da área, Francisco Allen Gomes, psiquiatra e sexólogo, rejeita a teoria dos cinco sexos. Na sua opinião, há "estados intersexos ou perturbações do desenvolvimento sexual, que têm várias características, diferentes umas das outras, e apresentam uma grande variabilidade de expressão".

O autor de "Paixão, Amor e Sexo" defende que essas manifestações podem não ser meramente biológicas, mas também sociais. "Podemos ter uma pessoa com o cromossoma 46, XX, com uma hiperprodução de testosterona na altura do nascimento e um aspecto feminino virilizado que segue uma via de desenvolvimento masculino e ter outra pessoa exactamente na mesma situação que segue a via de desenvolvimento feminino", afirmou.

O sexólogo considera que uma pessoa é aquilo que se sente em termos de género. Defende que há apenas os sexos masculino e feminino e estados intersexuais com variações e consequências diferentes de pessoa para pessoa.

Apesar das discrepâncias de ideias, os dois especialistas concordam com a inexistência de um sexo nulo.“Não existem pessoas assexuadas. Podem não ter actividade sexual mas têm uma identidade sexual. Neste campo, não há pessoas neutras ", concluiu Allen Gomes.